terça-feira, 13 de junho de 2017

Roger Waters / “The Wall ainda é um ato de protesto”



Roger Waters

“The Wall ainda é um ato de protesto”

Ex-líder do Pink Floyd recupera em um filme o show sobre o lendário disco


PABLO GUIMÓN
24 JUN 2015 - 10:28 COT

The Wall pegou a estrada pela primeira vez em 1980 e revolucionou a escala e a ideia do que poderia ser um show de rock. Em 1982, transformou-se em filme cult nas mãos de Alan Parker e Bob Geldof, que fazia o papel do jovem e atormentado Pink.
Waters deixou o Pink Floyd em 1985 e brigou na Justiça com David Gilmour e Nick Mason pelos direitos da marca e do material. Perdeu os direitos sobre o Pink Floyd, mas ficou com os do álbum The Wall. Em 21 de julho de 1990, oito meses após a queda da Cortina de Ferro, o álbum foi reencarnado em um show de grandeza épica, realizado em Berlim, com o qual o Olimpo do rock quis demolir o muro cultural entre os dois blocos. Naquela noite, The Wall transcendeu os muros da música.
Em 2010, um Waters sessentão embarcou com o The Wall em uma turnê mundial estratosférica por três anos, que terminou documentada em um novo filme. Intitulado Roger Waters The Wall e codirigido pelo cantor e Sean Evans, estreou no ano passado no Festival de Toronto e chega aos cinemas de todo o mundo em setembro. As entradas já estão à venda.
Ao longo de toda essa história, curiosamente, o sentido do próprio disco foi mudando. Em um hotel em Londres, Roger Waters (Surrey, Reino Unido, 1943) conversa com o EL PAÍS sobre como uma confissão íntima acabou se transformando em um grito contra qualquer abuso de poder.

Pergunta. Já parou para pensar sobre a ironia de que The Wall, que surgiu de sua frustração com o grande público e as turnês, tornou-se, 35 anos depois, um dos maiores espetáculos ao vivo de todos os tempos?





Estou em um lugar muito diferente daquele do miserável e fodido Roger, de muitos anos atrás. Agora estou mais feliz com o público e comigo mesmo"

Resposta. Minha relação com o público mudou em um dia de 1999. Depois de deixar o Pink Floyd, fiz algumas turnês sozinho. Eram tempos muito difíceis. Eu estava brigando com meus ex-colegas pelo nome da banda, foi uma dessas épocas que constroem o caráter. Decidi parar por um momento. Então Don Henley [do The Eagles] me convidou para participar de um show beneficente com ele, Neil Young e John Fogerty. Aceitei e foi maravilhoso. O público escutava. Não era como antes, quando todos gritavam uns com os outros, bebendo cerveja, pediam outra rodada aos gritos enquanto você tinha que tocar. Odiava aquilo. Mas nesse show vivi novamente esse grande sentimento de amor e pensei que poderia voltar para a estrada. Anos depois me propus a fazer The Wall.
P. Como se monta um show como este?
R. A primeira coisa que fiz foi chamar Mark Fisher, que morreu há dois anos, de repente e infelizmente. Tinha trabalhado com ele em 1977 no espetáculo Animals e depois em todas as grandes turnês. Com ele comecei a fazer infláveis, aeronaves e Deus sabe mais o que. Disse a ele que queria voltar para a estrada com The Wall. Ele começou a rir. "Parece uma loucura?", perguntei. Me disse que não. Sugeri fazer algo com telas, mas ele respondeu que, se fosse para fazer, tinha que ser como antes. Tinha que construir um muro e derrubá-lo. Imediatamente soube que era verdade.
P. O que você ainda tem do personagem Pink?
R. Estou em um lugar muito diferente daquele do miserável e fodido Roger, de muitos anos atrás. Agora estou muito mais feliz com o público e comigo mesmo, apesar de menos feliz com o que está acontecendo no mundo.


P. De que maneira?





Tenho uma boa lembrança de Berlim, mas também havia a angústia e a responsabilidade de encontrar uma maneira de aquilo funcionasse. E não funcionou economicamente"

R. The Wall é ainda um ato de protesto. É muito menos sobre a história do garoto e sua perda e mais sobre a preocupação de todas as pessoas que perdemos em guerras. No final do dia, todos nós podemos ser efeitos colaterais, que é um eufemismo para pessoas inocentes mortas. The Wall é hoje uma peça sobre qualquer pessoa que sofre em qualquer conflito.
P. Por que ainda é relevante?
R. Ainda não aprendemos a proteger este pequeno planeta do desastre. Falo da mudança climática, dos oceanos, mas não só isso. Após a Segunda Guerra Mundial, pensávamos que os países ocidentais tinham uma coisa chamada democracia, que faria tudo funcionar. Mas temos que perceber que existem agora outras forças que são mais poderosas do que essa antiga ideia grega. Dinheiro, ganância, o lado escuro da natureza humana... é uma batalha intensa e difícil, que estamos perdendo.
P. O que o famoso show em Berlim, após a queda do Muro, significou para o The Wall?
R. Tentei separar, porque foi muito diferente como espetáculo, independentemente do contexto histórico. Em primeiro lugar, porque havia mais artistas. E em segundo lugar, porque foi incrivelmente complexo em termos de finanças. Tenho uma boa lembrança, mas também [havia] a angústia e a responsabilidade de encontrar uma maneira de que aquilo funcionasse. E não funcionou economicamente.
P. O que diferencia este filme do de Alan Parker?
R. É uma declaração muito poderosa, mas muito diferente daquela. Falta a parte mais narrativa. Em Goodbye Blue Sky, por exemplo, em vez de uma animação sobre a guerra, há símbolos caindo. É mais sutil, mas talvez mais político.
P. De fato irritou muita gente.
R. Você não pode fazer omeletes sem quebrar ovos. Reclamaram que havia imagens em sequência da estrela de David e o símbolo do dólar caindo do avião. Disseram que eu era antissemita, que sugeria que os judeus estão obcecados com o dinheiro. E não queria dizer isso. Então mudei aquilo, não afetava o que queria dizer.
P. Sempre montou sua obra a partir de álbuns. Agora parece que as pessoas não consomem obras tão longas e complexas.
R. Se você fosse a um show veria que havia jovens. Captou a atenção deles e não estavam entediados. Estou trabalhando em outra peça agora com um conceito completamente diferente, espero conseguir esse efeito.






Alguém tem que apostar em você nos primeiros anos, quando você vende 10.000 ou 20.000 discos. Spotify é uma piada, não pagam nada aos artistas"

P. Do que se trata?
R. Não posso explicar com detalhes. É sobre um avô e seu neto tentando responder à pergunta de por que crianças são mortas.
P. O Pink Floyd foi retomado em 2005. Acredita que podem voltar a se reunir? Como é sua relação com Gilmour?
R. Olha, não falo com David desde... Não me lembro quando. Já Nick e eu somos bons amigos, sempre fomos. Mas não, não haverá uma reunião do Pink Floyd. Isso é história e foi ótimo. Que sorte tive de estar nessa banda! Com Syd [Barrett] no começo. Sem ele não teríamos sequer começado. Fizemos grandes álbuns juntos. Estou feliz por ter estado com eles e no momento em que era possível fazer discos. Quando pessoas como eu iam a uma loja e compravam um disco. Porque agora só querem roubá-lo.
P. Acha que não seria possível uma banda como Pink Floyd agora?
R. Não. Alguém tem que apostar em você nos primeiros anos, quando você vende 10.000 ou 20.000 discos. O Spotify é uma piada, não paga nada aos artistas. Você tem que ter milhares de streams para ganhar 20 dólares. Isso é ridículo. Talvez tenha que pegar a estrada para defender ao vivo meu próximo trabalho. Porque vou te dizer o que não vou fazer: não sei se vou dá-lo para o Spotify para que o ofereça de graça.
Roger Waters The Wall, dirigido por Roger Waters e Sean Evans, estreia nos cinemas de todo o mundo em 29 de setembro. As entradas já estão à venda em: www.rogerwatersthewall.com
EL PAÍS



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