segunda-feira, 4 de abril de 2016

Auschwitz protege sua sobrevivência






Auschwitz protege sua sobrevivência

Mais de 30 países aportam recursos para garantir a conservação do museu no antigo campo nazista, que quase fechou as portas

TEREIXA CONSTENLA
Auschwitz 15 NOV 2014 - 18:00 COT







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O lugar mais cruel da Terra recebe mais de um milhão de visitas por ano. Quase tantas quanto o número de pessoas que pereceram em seu interior. No meio de uma planície polonesa, a 70 quilômetros de Cracóvia, o Terceiro Reich desenvolveu sobre antigas instalações militares de Oswiecim – que renomearam como Auschwitz – uma indústria sofisticada da morte, tão eficaz como macabra. O antigo campo de extermínio, que completará 70 anos de libertação em 27 de janeiro de 2015, esteve prestes a desaparecer como espaço de memória devido às dificuldades econômicas para garantir a conservação de seus 155 edifícios, 300 ruínas (entre elas, dois fornos e câmaras de gás de Birkenau que foram explodidos pelos nazistas) e milhares de objetos pessoais que em si mesmos condensam o espanto: minúsculos sapatos infantis, próteses de mutilados, montanhas de óculos redondos, toneladas de cabelo, as maletas de Klara Golosein, Georg Weiss e Else Meier, cartas de vítimas, anotações de carrascos... “Antes da criação do Fundo Perpétuo, a situação era crítica. Hoje em dia, graças à compreensão geral do quanto é importante preservar a autenticidade para as futuras gerações, começamos a ver a proverbial luz no fim do túnel”, afirma Piotr M. A. Cywinski, diretor do Museu de Auschwitz-Birkenau.
A conservação de um complexo que ocupa 200 hectares — os nazistas construíram três campos, apesar de o museu atual só incluir visitas ao I e ao II (Birkenau) — requer uma injeção financeira que recaiu essencialmente sobre a Polônia, forçada por razões geográficas, apesar de sua nula responsabilidade política no genocídio. Pouco receptiva aos pedidos do Governo polonês (“Cada nação tem o dever inalienável de proteger estes lugares”, dizia o ministro da Cultura e Patrimônio), a contribuição internacional até 2009 tinha representação irrisória — entre 1% e 3% de um orçamento anual de 8 milhões de euros (26 milhões de reais). Naquele ano, os responsáveis pelo museu, aberto em 1947 e com acesso gratuito (paga-se apenas pelo serviço de guia), lançaram um aviso claro: teriam de fechar Auschwitz em pouco tempo diante da falta de meios para preservar seus barracões, cercas, escritórios e demais restos materiais.



Até 2009, quase todos os custos do museu eram arcados pela Polônia

Empurrado pelo temor de que o desaparecimento das últimas testemunhas se traduzisse na morte da memória do que aconteceu, Wladyslaw Bartoszewski, prisioneiro 4.427 entre setembro de 1940 e abril de 1941 e responsável pelo Conselho Internacional de Auschwitz, promoveu então a formação de uma fundação internacional que deveria arrecadar 120 milhões de euros (391 milhões de reais) para constituir um capital (o chamado Fundo Perpétuo) que permitisse financiar com seus rendimentos anuais os trabalhos necessários de restauração e manutenção. Em suas intervenções, Bartoszewski expunha sua preocupação: “O momento em que não vão mais restar testemunhas se aproxima inexoravelmente. Entre nós permanece a convicção de que, quando as pessoas se forem, as pedras vão gritar. Está ligado à natureza humana, porque quando não resta vestígio tangível os acontecimentos do passado caem no esquecimento”.
Desde a criação da fundação, em janeiro de 2009, somaram-se a ela 31 países cujos aportes econômicos alcançaram 102 milhões de euros, o que não está longe da meta (120 milhões). Por razões óbvias, a Alemanha foi o Estado mais generoso e diligente ao receber a petição do então primeiro-ministro polonês, Donald Tusk: doou a metade do valor requerido (60 milhões de euros). Mais tarde se somariam numerosos países de distintos continentes, tamanhos e poderio econômico para respaldar a sobrevivência de Auschwitz. Também algumas cidades, como Paris (310.000 euros), e contribuintes particulares. A Espanha, apesar dos contatos mantidos com a fundação, permaneceu à margem. Quando uma delegação visitou Madri em setembro de 2010 para explicar o projeto, o Governo espanhol se mostrou receptivo e se comprometeu a tomar uma decisão até o fim daquele ano. “Desde então, não fizeram nenhum aporte financeiro”, assinala o relatório anual do organismo polonês. Fontes diplomáticas espanholas afirmam que a natureza da fundação dificulta o ajuste jurídico para fornecer-lhe ajuda econômica – e assinalam que as fórmulas alternativas oferecidas foram rejeitadas. A União Europeia superou seus obstáculos jurídicos contribuindo com 4 milhões de euros (13 milhões de reais) para os projetos de conservação que o Museu de Auschwitz executa por conta própria.



Para preservar o local, a Alemanha contribuiu com 60 milhões de euros

O certo é que, cinco anos depois da criação da fundação, a Espanha é um dos poucos países grandes da União Europeia que não contribuiu para o Fundo Perpétuo (a outra exceção que chama a atenção é a Itália, pátria de Primo Levi, autor de uma das crônicas mais impressionantes sobre Auschwitz em É Isto um Homem?).
“Não sou eu quem deve julgar”, afirma Cywinski, que além de diretor do museu é presidente executivo da fundação. “Muitos grupos de jovens vêm da Espanha para conhecer este lugar, por isso parece que as instituições governamentais deveriam ter consciência do papel que tem essa experiência no processo de amadurecimento dos jovens para que sejam cidadãos conscientizados”, acrescenta. “A Espanha se manteve em grande medida fora do alcance desta história, mas o Fundo também foi constituído graças às contribuições do Canadá, Austrália, Suécia e Suíça, entre outros.”






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Visitantes na entrada do museu de Auschwitz.  Reuters


Em 2013, visitaram Auschwitz 52.800 espanhóis, a sétima nacionalidade mais interessada em percorrer o tétrico memorial – depois dos poloneses, britânicos, americanos, italianos, alemães e israelenses. Mais inclusive do que os franceses, cujo país teve uma relação mais direta com a Shoá e entregou 5 milhões de euros (16,3 milhões de reais) ao Fundo Perpétuo. Se analisarmos os dados dos últimos cinco anos, veremos que o interesse espanhol vem crescendo desde 2009 – quando 26.700 espanhóis visitaram Auschwitz.
No campo de Auschwitz morreram poucos espanhóis, embora a cifra definitiva seja confusa por causa de algumas ambiguidades sobre deportados da França. Já nos campos de Mauthausen e Gusen, onde foram confinados 7.000 exilados republicanos espanhóis, só 2.000 deles sobreviveram. Nos Arquivos Nacionais dos Estados Unidos está guardado um revelador discurso de 27 de junho de 1941 de August Eigruber, governador nazista da região do Alto Danúbio: “Quando ocupamos a França no ano passado, o senhor Pétain nos deu esses 6.000 espanhóis vermelhos e declarou: ‘Não preciso deles, não os quero’. Oferecemos esses 6.000 espanhóis ao chefe de Estado Franco, o caudilho espanhol. Ele recusou e declarou que nunca admitiria esses espanhóis vermelhos que lutaram por uma Espanha soviética. Então oferecemos os 6.000 espanhóis vermelhos a Stalin e à Rússia soviética (…) e o senhor Stalin, com seu Komintern, não os aceitou. Agora estão estabelecidos em Mauthausen esses 6.000 combatentes vermelhos, trabalhadores (…); ali estão para sempre”.






FRÁGIL CAMPO DA MORTE


Birkenau é uma grande intempérie. Uns trilhos, que dividem o campo, conduziam à câmara de gás, embora os passageiros daqueles trens acreditassem que levavam a locais de asseio e desinfecção. Diferentemente do primeiro, onde em parte foram utilizadas instalações preexistentes, o campo de Birkenau nasceu para matar judeus, ciganos e inimigos políticos do Terceiro Reich.
Suas construções, que começaram a ser feitas em outubro de 1941, são as mais precárias e as que mais precisam de conservação. Uma das primeiras intervenções financiadas graças ao Fundo Perpétuo se destinou a restaurar os barracões de tijolo das mulheres, que se encontravam em péssimas condições por causa de sua frágil estrutura e também pelas características do chão.
Há também edificações de madeira, como a destinada à latrina coletiva, onde se amontoavam os prisioneiros em horas predefinidas e sem nenhuma intimidade. Eram muitos os que suspiravam de alívio por integrar-se ao comando de limpadores de latrina. A possibilidade de sobrevivência aumentava: cheiravam tão mal que os guardas não costumavam se aproximar deles e, no meio daquela planície gélida, onde as temperaturas chegam a 17 graus abaixo de zero no inverno, passavam as horas sob um teto.
O Museu dedica também uma atenção especial ao cuidado dos arquivos, que fornecem mais informações para a História, e dos milhares de objetos deixados em Auschwitz pelas vítimas e por seus carrascos.
EL PAÍS




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