segunda-feira, 14 de abril de 2014

Marguerite Duras / É tudo


Marguerite Duras
É tudo

  

«Para Yann
nunca se sabe, antes,
o que se escreve.
Apressa-te a pensar em mim.

Para Yann meu amante da noite



Assinado: Marguerite,
a amante deste amante adorado,
em 20 de Novembro de 1994, Paris,
Rua Saint-Benoît.
(...)





Depois, na mesma tarde.

Por vezes fico vazia durante imenso tempo.
Perco a identidade.
Ao princípio isto assusta. E depois passa por um
movimento de felicidade. E depois pára.
A felicidade, isto é, um pouco morta.
um pouco ausente do lugar onde falo.
(...)




Depois, na mesma tarde.

Quis dizer-lhe
que o amava.
Gritá-lo.
É tudo.
(...)




Noutro dia, rua Saint-Benoît.

Para Yann.
Para nada.
O céu está vazio.
Há anos que amo este homem.
Um homem a quem ainda não dei nome.
Um homem que amo.
Um homem que me abandonará.
O resto, diante, atrás de mim, antes e depois de mim, é-me indiferente.
Amo-te.
(...)




Silêncio, e depois.

Sinto-me perdida.
Morte é equialente.
É terorífico.
Perdi a vontade de fazer esforço.
Não penso em ninguém.
O resto terminou.
Tu também.
Estou sozinha.


Silêncio, e depois.

Já não é na desventura que tu vives,
é no desespero.
(...)




3 de Janeiro, rua Saint-Benoît.

Yann. Ainda aqui estou.
Devo partir.
Já não sei onde meter-me.
Escrevo-lhe como se o chamasse.
Talvez possa visitar-me.
Sei que isso de nada servirá.


6 de Janeiro.

Yann.
Espero ver-te no fim da tarde.
Com todas as minhas ânsias.
Com todas as minhas ânsias.


10 de Fevereiro.

Uma inteligência saída de si própria.
Como se evadida.
Quando dizem a palavra escritor a Duras, isto adquire um peso duplo.

Sou escritora selvagem e inesperada.
(...)




3 de Março.

Sou eu a perseguição do vento.
(...)




Silêncio, e depois.

Amo-te demasiado.
Já não sei escrever.

O amor excessivo entre nós, até ao horror.
(...)




13 de Abril.

Escrevi durante uma vida inteira.
Como uma imbecil, fiz isso.
Também não é mau ser assim.
Nunca fui pretensiosa.
Escrever durante uma vida inteira ensina a escrever.
Não salva de nada.
(...)




Silêncio, e depois.

Sou uma lasca de madeira branca.
E tu também.
De outra cor.
(...)




28 de Junho.

A palavra amor existe.


3 de Julho, 15 horas, Neauphle-le-Château.

Bem sei que tens outras ambições.
Bem sei que estás triste.
Mas tanto me faz.
Que me ames, é o mais importante.
O resto tanto me faz. Estou-me nas tintas.


Depois, na mesma tarde.

Sinto-me esmagada por existir.
Isto dá-me vontade de escrever.
Escrevi muitíssimo acerca de ti  quando partiste – acerca do homem que amo.
És o autor de tudo.
Tudo o que eu fiz poderia tu ter feito.
Ouço-te dizer que renunciaste a esta frase,
àquela frase.


Silêncio, e depois.


Acaso escutas este silêncio?
Eu escuto as frases que tu disseste
em vez daquela que escrevi.
(...)




Silêncio, e depois.

Vem.
Temos que falar do nosso amor.
Vamos arranjar as palavras para isso.
Talvez não existam palavras.
(...)




Segunda-feira, 24 de Julho.

Vem amar-me.
Vem.
vem para este papel branco.
Comigo.

Dou-te a minha pele.
Vem.
Depressa.

Diz-me adeus.
É tudo.
Não sei mais nada de ti.

Parto com as algas.
Vem comigo.
(...)




Quinta-feira, 16 de Novembro.

Ao longo do mar. Ao longo de ti.

Já não sou nada. Já não sei onde estou.
Acabou.

Colunas para nos acercarmos do céu.
Vem.
(...)




Tenho o corpo todo a arder.

Mais tarde.

A perda do seu coração, causa-lhe dor?

Mais tarde.

Vem depressa ter comigo, dá-me qualquer coisa.

Sábado, 30 de Dezembro, 2h30 da noite.

Tu estás separado do reino de Duras.

Quarta-feira 3 de Janeiro de 96.

O vazio, isto é, a liberdade.
(...)




Sexta-feira 26 de Janeiro.

Durante alguns segundos senti o odor da terra.

Yann, sai desse espaço divino, que mete medo.
Por vezes tu metes medo.

Estou farta de ficar sozinha. Vou arranjar um tipo para trabalhar sobre o trabalho.

Gostava de fazer um livro acerca de mim e do que penso.
É tudo.
Fosse o que fosse a preto e branco.

Vocês são muito ocos.
Eu estive sempre nas profundezas.


29 de Janeiro.

O vazio. O vazio à minha frente.
(...)




16 de Fevereiro

É curioso como continuo a amar-te, mesmo quando não te amo.
(...)




28 de Fevereiro.

Acabou.
Tudo acabou.
É o horror.


Quinta-feira, 29 de Fevereiro, 13h.

Amo-te.
Adeus.»


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