domingo, 19 de janeiro de 2014

Juan Gelman / Sobre a poesia

JUAN GELMAN
sobre a poesia
Traductor: Leo Gonçalves
 
haveria um par de coisas por dizer/
que não é muito lida por ninguém/
que esses ninguém são poucos/
que estão todos preocupados com a crise mundial/ e
 
com o assunto de comer a cada dia/ trata-se
de um assunto importante/ me lembro
quando tio juan morreu de fome/
dizia que nem se lembrava de comer e que para ele não tinha problema/
 
problema veio foi depois/
é que não havia dinheiro para comprar caixão/
e quando finalmente o caminhão municipal passou para levá-lo/
tio juan parecia um passarinho/
 
o pessoal do municipal olhou para ele com desprezo ou com desdém/ murmuravam
que eram sempre incomodados/
que eram homens e enterravam homens/ e não
passarinhos como tio juan/ especialmente
 
porque o tio foi cantando piu piu a viagem inteira até o crematório municipal/
e sentiram-se desrespeitados e estavam muito ofendidos/
e quando davam-lhe um tapinha para calar a boca/
o piu piu voava pela cabine do caminhão e eles sentiam que ouviam um piu piu na cabeça/ tio
 
juan era assim/ adorava cantar/
e não via por que não cantar depois de morto/
foi para o forno cantando piu piu/ as cinzas saíram e ainda deram uns pios/
os companheiros do muncipal se deram com os sapatos cinzentos de vergonha/ bem mas
 
voltando à poesia/
agora os poetas passam muita dificuldade/
não são muito lidos por ninguém/ esses ninguém são poucos/
o ofício perdeu prestígio/ para o poeta está cada dia mais difícil
 
conseguir o amor de uma mulata
ser candidato a presidente/ ser patrocinado por um mecenas/
que um guerreiro faça façanhas para que ele as cante/
que um rei lhe pague cada verso com três moedas de ouro/
 
e não se sabe se é porque acabaram as mulatas/ os mecenas os guerreiros/ os reis/
ou simplesmente os poetas/
ou foram as duas coisas e é inútil
quebrar a cabeça com uma coisa dessas/
 
bonito é saber que a gente pode cantar piu piu
nas horas mais estranhas/
tio juan depois de morto/ eu agora
para que me queiras/

JUAN GELMAN
sobre la poesía
 
habría un par de cosas que decir/
que nadie lee mucho/
que esos nadie son pocos/
que todo el mundo está con el asunto de la crisis mundial/ ycon el asunto de comer cada día/se trata
de un asunto importante/recuerdo
cuando murió de hambre el tío juan/
decía que ni se acordaba de comer y que no había problema/pero el problema fue después/
no había plata para el cajón/
y cuando finalmente pasó el camión municipal a llevárselo
el tío juan parecía un pajarito/los de la municipalidad lo miraron con desprecio o desdén/
murmuraban
que siempre los están molestando/
que ellos eran hombres y enterraban hombres/y no
pajaritos como el tío juan/especialmente
porque el tío estuvo cantando pío-pío todo el viaje
hasta el crematorio municipal/
y a ellos les pareció un irrespeto y estaban muy ofendidos/
y cuando le daban un palmetazo para que se callara la boca/
el pío-pío volaba por la cabina del camión y ellos sentían que
les hacía pío-pío en la cabeza/el
tío juan era así/le gustaba cantar/
y no veía por qué la muerte era motivo para no cantar/
entró al horno cantando pío-pío/salieron sus cenizas y piaron un rato/
y los compañeros municipales se miraron los zapatos grises de vergüenza/pero
volviendo a la poesía/
los poetas ahora la pasan bastante mal/
nadie los lee mucho/esos nadie son pocos/
el oficio perdió prestigio/para un poeta es cada día más difícil
conseguir el amor de una muchacha/
ser candidato a presidente/que algún almacenero le fíe/
que un guerrero haga hazañas para que él las cante/
que un rey le pague cada verso con tres monedas de oro/
y nadie sabe si eso ocurre porque se terminaron
las muchachas/los almaceneros/los guerreros/los reyes/
o simplemente los poetas/
o pasaron las dos cosas y es inútil
romperse la cabeza pensando en la cuestión/
lo lindo es saber que uno puede cantar pío-pío
en las más raras circunstancias/
tío juan después de muerto/yo ahora
para que me quierás/
Leo Gonçalves nasceu em 1975 em Belo Horizonte. É o autor dos livros Use o assento para flutuar (Patuá, 2012), WTC BABEL S. A. (Barbárie, 2008) e das infimidades (poemas, 2004).
Traduziu, em parceria com Mário Alves Coutinho, o livro Canções da Inocência e da Experiência (Crisálida, 2005). Isso, poemas de Juan Gelman, foi publicado pela editora UnB, traduzido em parceria com Andityas Soares de Moura. A tradução que fez da comédia O doente imaginário, de Molière teve sua segunda edição revista em 2008.
Traduziu poemas de Léopold Sédar Senghor (Revista Roda, março de 2006), Julio Cortázar (Suplemento Literário de Minas Gerais, janeiro de 2002) e muitos outros como: Paul Éluard, Allen Ginsberg, William Burroughs, Jacques Prévert, Gérard de Nerval, Aimé Césaire, Birago Diop, Léon Laleau, Heriberto Yépez. É colaborador, há alguns anos, da Revista Etcetera (www.revistaetcetera.com.br). Foi um dos idealizadores, e editores, ao lado de Letícia Féres, Anderson Almeida e Janine Rocha Resende, do jornal Estilingue :: literatura e arredores (www.estilingue.tk).
Participou, entre 2004 e 2006 do grupoPOESIAhoje, espécie de núcleo de criação e pesquisa de poéticas, performances e intervenções poéticas, ao lado de Julius Cesar, Lenise Regina, Letícia Féres, Michel Mingote e Renata Cabral. Dentre as ações do grupo, temos o “papeldobrado”, disponível neste blog em formato jpg.
Desde 2004, Leo Gonçalves vem publicando seus textos, notícias, poemas e traduções de no blogue salamalandro, (www.salamalandro.redezero.org).


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