sábado, 30 de março de 2013

João Guimarães Rosa / Famigerado



João Guimarães Rosa
FAMIGERADO



Foi de incerta feita — o evento. Quem pode esperar coisa tão sem pés nem cabeça? Eu estava em casa, o arraial sendo de todo tranqüilo. Parou-me à porta o tropel. Cheguei à janela.

Um grupo de cavaleiros. Isto é, vendo melhor: um cavaleiro rente, frente à minha porta, equiparado, exato; e, embolados, de banda, três homens a cavalo. Tudo, num relance, insolitíssimo. Tomei-me nos nervos. O cavaleiro esse — o oh-homem-oh — com cara de nenhum amigo. Sei o que é influência de fisionomia. Saíra e viera, aquele homem, para morrer em guerra. Saudou-me seco, curto pesadamente. Seu cavalo era alto, um alazão; bem arreado, ferrado, suado. E concebi grande dúvida.

Nenhum se apeava. Os outros, tristes três, mal me haviam olhado, nem olhassem para nada. Semelhavam a gente receosa, tropa desbaratada, sopitados, constrangidos coagidos, sim. Isso por isso, que o cavaleiro solerte tinha o ar de regê-los: a meio-gesto, desprezivo, intimara-os de pegarem o lugar onde agora se encostavam. Dado que a frente da minha casa reentrava, metros, da linha da rua, e dos dois lados avançava a cerca, formava-se ali um encantoável, espécie de resguardo. Valendo-se do que, o homem obrigara os outros ao ponto donde seriam menos vistos, enquanto barrava-lhes qualquer fuga; sem contar que, unidos assim, os cavalos se apertando, não dispunham de rápida mobilidade. Tudo enxergara, tomando ganho da topografia. Os três seriam seus prisioneiros, não seus sequazes. Aquele homem, para proceder da forma, só podia ser um brabo sertanejo, jagunço até na escuma do bofe. Senti que não me ficava útil dar cara amena, mostras de temeroso. Eu não tinha arma ao alcance. Tivesse, também, não adiantava. Com um pingo no i, ele me dissolvia. O medo é a extrema ignorância em momento muito agudo. O medo O. O medo me miava. Convidei-o a desmontar, a entrar.

Disse de não, conquanto os costumes. Conservava-se de chapéu. Via-se que passara a descansar na sela — decerto relaxava o corpo para dar-se mais à ingente tarefa de pensar. Perguntei: respondeu-me que não estava doente, nem vindo à receita ou consulta. Sua voz se espaçava, querendo-se calma; a fala de gente de mais longe, talvez são-franciscano. Sei desse tipo de valentão que nada alardeia, sem farroma. Mas avessado, estranhão, perverso brusco, podendo desfechar com algo, de repente, por um és-não-és. Muito de macio, mentalmente, comecei a me organizar. Ele falou:

"Eu vim preguntar a vosmecê uma opinião sua explicada..."

Carregara a celha. Causava outra inquietude, sua farrusca, a catadura de canibal. Desfranziu-se, porém, quase que sorriu. Daí, desceu do cavalo; maneiro, imprevisto. Se por se cumprir do maior valor de melhores modos; por esperteza? Reteve no pulso a ponta do cabresto, o alazão era para paz. O chapéu sempre na cabeça. Um alarve. Mais os ínvios olhos. E ele era para muito. Seria de ver-se: estava em armas — e de armas alimpadas. Dava para se sentir o peso da de fogo, no cinturão, que usado baixo, para ela estar-se já ao nível justo, ademão, tanto que ele se persistia de braço direito pendido, pronto meneável. Sendo a sela, de notar-se, uma jereba papuda urucuiana, pouco de se achar, na região, pelo menos de tão boa feitura. Tudo de gente brava. Aquele propunha sangue, em suas tenções. Pequeno, mas duro, grossudo, todo em tronco de árvore. Sua máxima violência podia ser para cada momento. Tivesse aceitado de entrar e um café, calmava-me. Assim, porém, banda de fora, sem a-graças de hóspede nem surdez de paredes, tinha para um se inquietar, sem medida e sem certeza.

— "Vosmecê é que não me conhece. Damázio, dos Siqueiras... Estou vindo da Serra..."

Sobressalto. Damázio, quem dele não ouvira? O feroz de estórias de léguas, com dezenas de carregadas mortes, homem perigosíssimo. Constando também, se verdade, que de para uns anos ele se serenara — evitava o de evitar. Fie-se, porém, quem, em tais tréguas de pantera? Ali, antenasal, de mim a palmo! Continuava:

— "Saiba vosmecê que, na Serra, por o ultimamente, se compareceu um moço do Governo, rapaz meio estrondoso... Saiba que estou com ele à revelia... Cá eu não quero questão com o Governo, não estou em saúde nem idade... O rapaz, muitos acham que ele é de seu tanto esmiolado..."

Com arranco, calou-se. Como arrependido de ter começado assim, de evidente. Contra que aí estava com o fígado em más margens; pensava, pensava. Cabismeditado. Do que, se resolveu. Levantou as feições. Se é que se riu: aquela crueldade de dentes. Encarar, não me encarava, só se fito à meia esguelha. Latejava-lhe um orgulho indeciso. Redigiu seu monologar.

O que frouxo falava: de outras, diversas pessoas e coisas, da Serra, do São Ão, travados assuntos, inseqüentes, como dificultação. A conversa era para teias de aranha. Eu tinha de entender-lhe as mínimas entonações, seguir seus propósitos e silêncios. Assim no fechar-se com o jogo, sonso, no me iludir, ele enigmava: E, pá:

— "Vosmecê agora me faça a boa obra de querer me ensinar o que é mesmo que é: fasmisgerado... faz-megerado... falmisgeraldo... familhas-gerado...?

Disse, de golpe, trazia entre dentes aquela frase. Soara com riso seco. Mas, o gesto, que se seguiu, imperava-se de toda a rudez primitiva, de sua presença dilatada. Detinha minha resposta, não queria que eu a desse de imediato. E já aí outro susto vertiginoso suspendia-me: alguém podia ter feito intriga, invencionice de atribuir-me a palavra de ofensa àquele homem; que muito, pois, que aqui ele se famanasse, vindo para exigir-me, rosto a rosto, o fatal, a vexatória satisfação?

— "Saiba vosmecê que saí ind'hoje da Serra, que vim, sem parar, essas seis léguas, expresso direto pra mor de lhe preguntar a pregunta, pelo claro..."

Se sério, se era. Transiu-se-me.

— "Lá, e por estes meios de caminho, tem nenhum ninguém ciente, nem têm o legítimo — o livro que aprende as palavras... É gente pra informação torta, por se fingirem de menos ignorâncias... Só se o padre, no São Ão, capaz, mas com padres não me dou: eles logo engambelam... A bem. Agora, se me faz mercê, vosmecê me fale, no pau da peroba, no aperfeiçoado: o que é que é, o que já lhe perguntei?"

Se simples. Se digo. Transfoi-se-me. Esses trizes:

— Famigerado?

— "Sim senhor..." — e, alto, repetiu, vezes, o termo, enfim nos vermelhões da raiva, sua voz fora de foco. E já me olhava, interpelador, intimativo — apertava-me. Tinha eu que descobrir a cara. — Famigerado? Habitei preâmbulos. Bem que eu me carecia noutro ínterim, em indúcias. Como por socorro, espiei os três outros, em seus cavalos, intugidos até então, mumumudos. Mas, Damázio:

— "Vosmecê declare. Estes aí são de nada não. São da Serra. Só vieram comigo, pra testemunho..."

Só tinha de desentalar-me. O homem queria estrito o caroço: o verivérbio.

— Famigerado é inóxio, é "célebre", "notório", "notável"...

— "Vosmecê mal não veja em minha grossaria no não entender. Mais me diga: é desaforado? É caçoável? É de arrenegar? Farsância? Nome de ofensa?"

— Vilta nenhuma, nenhum doesto. São expressões neutras, de outros usos...

— "Pois... e o que é que é, em fala de pobre, linguagem de em dia-de-semana?"

— Famigerado? Bem. É: "importante", que merece louvor, respeito...

— "Vosmecê agarante, pra a paz das mães, mão na Escritura?"

Se certo! Era para se empenhar a barba. Do que o diabo, então eu sincero disse:

— Olhe: eu, como o sr. me vê, com vantagens, hum, o que eu queria uma hora destas era ser famigerado — bem famigerado, o mais que pudesse!...

— "Ah, bem!..." — soltou, exultante.

Saltando na sela, ele se levantou de molas. Subiu em si, desagravava-se, num desafogaréu. Sorriu-se, outro. Satisfez aqueles três: — "Vocês podem ir, compadres. Vocês escutaram bem a boa descrição..." — e eles prestes se partiram. Só aí se chegou, beirando-me a janela, aceitava um copo d'água. Disse: — "Não há como que as grandezas machas duma pessoa instruída!" Seja que de novo, por um mero, se torvava? Disse: — "Sei lá, às vezes o melhor mesmo, pra esse moço do Governo, era ir-se embora, sei não..." Mas mais sorriu, apagara-se-lhe a inquietação. Disse: — "A gente tem cada cisma de dúvida boba, dessas desconfianças... Só pra azedar a mandioca..." Agradeceu, quis me apertar a mão. Outra vez, aceitaria de entrar em minha casa. Oh, pois. Esporou, foi-se, o alazão, não pensava no que o trouxera, tese para alto rir, e mais, o famoso assunto.

João Guimarães Rosa
Primeiras Estórias
Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteirak, 1988







sexta-feira, 29 de março de 2013

João Guimarães Rosa / O cavalo que bebia cerveja


João Guimarães Rosa
O CAVALO QUE BEBIA CERVEJA



Essa chácara do homem ficava meio ocultada, escurecida pelas árvores, que nunca se viu plantar tamanhas tantas em roda de uma casa. Era homem estrangeiro. De minha mãe ouvi como, no ano da espanhola, ele chegou, acautelado e espantado, para adquirir aquele lugar de todo defendimento; e a morada, donde de qualquer janela alcançasse de vigiar a distância, mãos na espingarda; nesse tempo, não sendo ainda tão gordo, de fazer nojo. Falavam que comia a quanta imundície: caramujo, até rã, com as braçadas de alfaces, embebidas num balde de água. Ver, que almoçava e jantava, da parte de fora, sentado na soleira da porta, o balde entre suas grossas pernas, no chão, mais as alfaces; tirante que, a carne, essa, legítima de vaca, cozinhada. Demais gastasse era com cerveja, que não bebia à vista da gente. Eu passava por lá, ele me pedia: — "Irivalíni, bisonha outra garrafa, é para o cavalo..."   Não gosto de perguntar, não achava graça. Às vezes eu não trazia, às vezes trazia, e ele me indenizava o dinheiro, me gratificando. Tudo nele me dava raiva. Não aprendia a referir meu nome direito. Desfeita ou ofensa, não sou o de perdoar — a nenhum de nenhuma.

Minha mãe e eu sendo das poucas pessoas que atravessávamos por diante da porteira, para pegar a pinguela do riacho. — "Dei'stá, coitado, penou na guerra..." — minha mãe explicando. Ele se rodeava de diversos cachorros, graúdos, para vigiarem a chácara. De um, mesmo não gostasse, a gente via, o bicho em sustos, antipático — o menos bem tratado; e que fazia, ainda assim, por não se arredar de ao pé dele, estava, a toda a hora, de desprezo, chamando o endiabrado do cão: por nome "Mussulino". Eu remoia o rancor: de que, um homem desses, cogotudo, panturro, rouco de catarros, estrangeiro às náuseas — se era justo que possuísse o dinheiro e estado, vindo comprar terra cristã, sem honrar a pobreza dos outros, e encomendando dúzias de cerveja, para pronunciar a feia fala. Cerveja? Pelo fato, tivesse seus cavalos, os quatro ou três, sempre descansados, neles não amontava, nem agüentasse montar. Nem caminhar, quase, não conseguia. Cabrão! Parava pitando, uns charutos pequenos, catinguentos, muito mascados e babados. Merecia um bom corrigimento. Sujeito sistemático, com sua casa fechada, pensasse que todo o mundo era ladrão.

Isto é, minha mãe ele estimava, tratava com as benevolências. Comigo, não adiantava — não dispunha de minha ira. Nem quando minha mãe grave adoeceu, e ele ofertou dinheiro, para os remédios. Aceitei; quem é que vive de não? Mas não agradeci. Decerto ele tinha remorso, de ser estrangeiro e rico. E, mesmo, não adiantou, a santa de minha mãe se foi para as escuridões, o danado do homem se dando de pagar o enterro. Depois, indagou se eu queria vir trabalhar para ele. Sofismei, o quê. Sabia que sou sem temor, em meus altos, e que enfrento uns e outros, no lugar a gente pouco me encarava. Só se fosse para ter a minha proteção, dia e noite, contra os issos e vindiços. Tanto, que não me deu nem meio serviço por cumprir, senão que eu era para burliquear por lá, contanto que com as armas. Mas, as compras para ele, eu fazia. — "Cerveja, Irivalíni. É para o cavalo..." — o que dizia, a sério, naquela língua de bater ovos. Tomara ele me xingasse! Aquele homem ainda havia de me ver.

Do que mais estranhei, foram esses encobrimentos. Na casa, grande, antiga, trancada de noite e de dia, não se entrava; nem para comer, nem para cozinhar. Tudo se passava da banda de cá das portas. Ele mesmo, figuro que raras vezes por lá se introduzia, a não ser para dormir, ou para guardar a cerveja — ah, ah, ah — a que era para o cavalo. E eu, comigo: — "Tu espera, porco, para se, mais dia menos dia, eu não estou bem aí, no haja o que há!" Seja que, por essa altura, eu devia ter procurado as corretas pessoas, narrar os absurdos, pedindo providências, soprar minhas dúvidas. O que fácil não fiz. Sou de nem palavras. Mas, por aí, também, apareceram aqueles — os de fora.

Sonsos os dois homens, vindos da capital. Quem para eles me chamou, foi o seo Priscílio, subdelegado. Me disse: — "Reivalino Belarmino, estes aqui são de autoridade, por ponto de confiança." E os de fora, me pegando à parte, puxaram por mim, às muitas perguntas. Tudo, para tirar tradição do homem, queriam saber, em pautas ninharias. Tolerei que sim; mas nada não fornecendo. Quem sou eu, quati, para cachorro me latir? Só cismei escrúpulos, pelas más caras desses, sujeitos embuçados, salafrados também. Mas, me pagaram, o bom quanto. O principal deles dois, o de mão no queixo, me encarregou: que, meu patrão, sendo homem muito perigoso, se ele vivia mesmo sozinho? E que eu reparasse, na primeira ocasião, se ele não tinha numa perna, embaixo, sinal velho de coleira, argolão de ferro, de criminoso fugido de prisão. Pois sim, piei prometi.

Perigoso, para mim? — ah, ah. Pelo que, vá, em sua mocidade, podendo ter sido homem. Mas, agora, em pança, regalão, remanchão, somente quisesse a cerveja — para o cavalo. Desgraçado, dele. Não que eu me queixasse, por mim, que nunca apreciei cerveja; gostasse, comprava, bebia, ou pedia, ele mesmo me dava. Ele falava que também não gostava, não. De verdade. Consumia só a quantidade de alfaces, com carne, boquicheio, enjooso, mediante muito azeite, lambia que espumava. Por derradeiro, estava meio estramontado, soubesse da vinda dos de fora? Marca de escravo em perna dele, não observei, nem fiz por isso. Sou lá serviçal de meirinho-mor, desses, excogitados, de tantos visares? Mas eu queria jeito de entender, nem que por uma fresta, aquela casa, debaixo de chaves, espreitada. Os cachorros já estando mansos amigáveis. Mas, parece que seo Giovânio desconfiou. Pois, por minha hora de surpresa, me chamou, abriu a porta. Lá dentro, até fedia a coisa sempre em tampa, não dava bom ar. A sala, grande, vazia de qualquer amobiliado, só para espaços. Ele, nem que de propósito, me deixou olhar à minha conta, andou comigo, por diversos cômodos, me satisfiz. Ah, mas, depois, cá comigo, ganhei conselho, ao fim da idéia: e os quartos? Havia muitos desses, eu não tinha entrado em todos, resguardados. Por detrás de alguma daquelas portas, pressenti bafo de presença — só mais tarde? Ah, o carcamano queria se birbar de esperto; e eu não era mais?

Demais que, uns dias depois, se soube de ouvidos, tarde da noite, diferentes vezes, galopes no ermo da várzea, de cavaleiro saído da porteira da chácara. Pudesse ser? Então, o homem tanto me enganava, de formar uma fantasmagoria, de lobisomem. Só aquela divagação, que eu não acabava de entender, para dar razão de alguma coisa: se ele tivesse, mesmo, um estranho cavalo, sempre escondido ali dentro, no escuro da casa?

Seo Priscílio me chamou, justo, outra vez, naquela semana. Os de fora estavam lá, de colondria, só entrei a meio na conversa; um deles dois, escutei que trabalhava para o "Consulado". Mas contei tudo, ou tanto, por vingança, com muito caso. Os de fora, então, instaram com seo Priscílio. Eles queriam permanecer no oculto, seo Priscílio devia de ir sozinho. Mais me pagaram.

Eu estava por ali, fingindo não ser nem saber, de mão-posta. Seo Priscílio apareceu, falou com seo Giovânio: se que estórias seriam aquelas, de um cavalo beber cerveja? Apurava com ele, apertava. Seo Giovânio permanecia muito cansado, sacudia devagar a cabeça, fungando o escorrido do nariz, até o toco do charuto; mas não fez mau rosto ao outro. Passou muito a mão na testa: — "Lei, guer ver?" Saiu, para surgir com um cesto com as garrafas cheias, e uma gamela, nela despejou tudo, às espumas. Me mandou buscar o cavalo: o alazão canela-clara, bela-face. O qual — era de se dar a fé? — já avançou, avispado, de atreitas orelhas, arredondando as ventas, se lambendo: e grosso bebeu o rumor daquilo, gostado, até o fundo; a gente vendo que ele já era manhudo, cevado naquilo! Quando era que tinha sido ensinado, possível? Pois, o cavalo ainda queria mais e mais cerveja. Seo Priscílio se vexava, no que agradeceu e se foi. Meu patrão assoviou de esguicho, olhou para mim: "Irivalíni, que estes tempos vão cambiando mal. Não laxa as armas!" Aprovei. Sorri de que ele tivesse as todas manhas e patranhas. Mesmo assim, meio me desgostava.

Sobre o tanto, quando os de fora tornaram a vir, eu falei, o que eu especulava: que alguma outra razão devia de haver, nos quartos da casa. Seo Priscílio, dessa vez, veio com um soldado. Só pronunciou: que queria revistar os cômodos, pela justiça! Seo Giovânio, em pé de paz, acendeu outro charuto, ele estava sempre cordo. Abriu a casa, para seo Priscílio entrar, o soldado; eu, também. Os quartos? Foi direto a um, que estava duro de trancado. O do pasmoso: que, ali dentro, enorme, só tinha o singular — isto é, a coisa a não existir! — um cavalão branco, empalhado. Tão perfeito, a cara quadrada, que nem um de brinquedo, de menino; reclaro, branquinho, limpo, crinado e ancudo, alto feito um de igreja — cavalo de São Jorge. Como podiam ter trazido aquilo, ou mandado vir, e entrado ali acondicionado? Seo Priscílio se desenxaviu, sobre toda a admiração. Apalpou ainda o cavalo, muito, não achando nele oco nem contento. Seo Giovânio, no que ficou sozinho comigo, mascou o charuto: — "Irivalíni, pecado que nós dois não gostemos de cerveja, hem?" Eu aprovei. Tive a vontade de contar a ele o que por detrás estava se passando.

Seo Priscílio, e os de fora, estivessem agora purgados de curiosidades. Mas eu não tirava o sentido disto: e os outros quartos, da casa, o atrás de portas? Deviam ter dado a busca por inteiro, nela, de uma vez. Seja que eu não ia lembrar esse rumo a eles, não sou mestre de quinaus. Seo Giovânio conversava mais comigo, banzativo: — "Irivalíni, eco, a vida é bruta, os homens são cativos..." Eu não queria perguntar a respeito do cavalo branco, frioleiras, devia de ter sido o dele, na guerra, de suma estimação. — "Mas, Irivalíni, nós gostamos demais da vida..." Queria que eu comesse com ele, mas o nariz dele pingava, o ranho daquele monco, fungando, em mal assôo, e ele fedia a charuto, por todo lado. Coisa terrível, assistir aquele homem, no não dizer suas lástimas. Saí, então, fui no seo Priscílio, falei: que eu não queria saber de nada, daqueles, os de fora, de coscuvilho, nem jogar com o pau de dois bicos! Se tornassem a vir, eu corria com eles, despauterava, escaramuçava — alto aí! — isto aqui é Brasil, eles também eram estrangeiros. Sou para sacar faca e arma. Seo Priscílio sabia. Só não soubesse das surpresas.

Sendo que foi de repente. Seo Giovânio abriu de em par a casa. Me chamou: na sala, no meio do chão, jazia um corpo de homem, debaixo de lençol. — "Josepe, meu irmão"... - ele me disse, embargado. Quis o padre, quis o sino da igreja para badalar as vezes dos três dobres, para o tristemente. Ninguém tinha sabido nunca o qual irmão, o que se fechava escondido, em fuga da comunicação das pessoas. Aquele enterro foi muito conceituado. Seo Giovânio pudesse se gabar, ante todos. Só que, antes, seo Priscílio chegou, figuro que os de fora a ele tinham prometido dinheiro; exigiu que se levantasse o lençol, para examinar. Mas, aí, se viu só o horror, de nós todos, com caridade de olhos: o morto não tinha cara, a bem dizer — só um buracão, enorme, cicatrizado antigo, medonho, sem nariz, sem faces — a gente devassava alvos ossos, o começo da goela, gargomilhos, golas. — "Que esta é a guerra..." — seu Giovânio explicou — boca de bobo, que se esqueceu de fechar, toda doçuras.

Agora, eu queria tomar rumo, ir puxando, ali não me servia mais, na chácara estúrdia e desditosa, com o escuro das árvores, tão em volta. Seo Giovânio estava da banda de fora, conforme seu costume de tantos anos. Mais achacoso, envelhecido, subitamente, no trespassamento da manifesta dor. Mas comia, sua carne, as cabeças de alfaces, no balde, fungava. — "Irivalíni... que esta vida... bisonha. Caspité?" — perguntava, em todo tom de canto. Ele avermelhadamente me olhava. — "Cá eu pisco..." — respondi. Não por nojo, não dei um abraço nele, por vergonha, para não ter também as vistas lagrimadas. E, então, ele fez a mais extravagada coisa: abriu cerveja, a que quanta se espumejasse. — "Andamos, Irivalíni, contadino, bambino?" — propôs. Eu quis. Aos copos, aos vintes e trintas, eu ia por aquela cerveja, toda. Sereno, ele me pediu para levar comigo, no ir-m'embora, o cavalo — alazão bebedor — e aquele tristoso cachorro magro, Mussulino.

Não avistei mais o meu Patrão. Soube que ele morreu, quando em testamento deixou a chácara para mim. Mandei erguer sepulturas, dizer as missas, por ele, pelo irmão, por minha mãe. Mandei vender o lugar, mas, primeiro, cortarem abaixo as árvores, e enterrar no campo o trem, que se achava, naquele referido quarto. Lá nunca voltei. Não, que não me esqueço daquele dado dia — o que foi uma compaixão. Nós dois, e as muitas, muitas garrafas, na hora cismei que um outro ainda vinha sobrevir, por detrás da gente, também, por sua parte: o alazão façalvo; ou o branco enorme, de São Jorge; ou o irmão, infeliz medonhamente. Ilusão, que foi, nenhum ali não estava. Eu, Reivalino Belarmino, capisquei. Vim bebendo as garrafas todas, que restavam, faço que fui eu que tomei consumida a cerveja toda daquela casa, para fecho de engano.

João Guimarães Rosa
Primeiras Estórias
Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteirak, 1988





quinta-feira, 28 de março de 2013

João Guimarães Rosa / A terceira margem do rio


João Guimarães Rosa
A TERCEIRA MARGEM DO RIO



Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa.

Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da popa, como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arqueada em rijo, própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos. Nossa mãe jurou muito contra a idéia. Seria que, ele, que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para pescarias e caçadas? Nosso pai nada não dizia. Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta.

Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: — "Cê vai, ocê fique, você nunca volte!" Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: — "Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?" Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa.

Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para. estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia. Os parentes, vizinhos e conhecidos nossos, se reuniram, tomaram juntamente conselho.

Nossa mãe, vergonhosa, se portou com muita cordura; por isso, todos pensaram de nosso pai a razão em que não queriam falar: doideira. Só uns achavam o entanto de poder também ser pagamento de promessa; ou que, nosso pai, quem sabe, por escrúpulo de estar com alguma feia doença, que seja, a lepra, se desertava para outra sina de existir, perto e longe de sua família dele. As vozes das notícias se dando pelas certas pessoas — passadores, moradores das beiras, até do afastado da outra banda — descrevendo que nosso pai nunca se surgia a tomar terra, em ponto nem canto, de dia nem de noite, da forma como cursava no rio, solto solitariamente. Então, pois, nossa mãe e os aparentados nossos, assentaram: que o mantimento que tivesse, ocultado na canoa, se gastava; e, ele, ou desembarcava e viajava s'embora, para jamais, o que ao menos se condizia mais correto, ou se arrependia, por uma vez, para casa.

No que num engano. Eu mesmo cumpria de trazer para ele, cada dia, um tanto de comida furtada: a idéia que senti, logo na primeira noite, quando o pessoal nosso experimentou de acender fogueiras em beirada do rio, enquanto que, no alumiado delas, se rezava e se chamava. Depois, no seguinte, apareci, com rapadura, broa de pão, cacho de bananas. Enxerguei nosso pai, no enfim de uma hora, tão custosa para sobrevir: só assim, ele no ao-longe, sentado no fundo da canoa, suspendida no liso do rio. Me viu, não remou para cá, não fez sinal. Mostrei o de comer, depositei num oco de pedra do barranco, a salvo de bicho mexer e a seco de chuva e orvalho. Isso, que fiz, e refiz, sempre, tempos a fora. Surpresa que mais tarde tive: que nossa mãe sabia desse meu encargo, só se encobrindo de não saber; ela mesma deixava, facilitado, sobra de coisas, para o meu conseguir. Nossa mãe muito não se demonstrava.

Mandou vir o tio nosso, irmão dela, para auxiliar na fazenda e nos negócios. Mandou vir o mestre, para nós, os meninos. Incumbiu ao padre que um dia se revestisse, em praia de margem, para esconjurar e clamar a nosso pai o 'dever de desistir da tristonha teima. De outra, por arranjo dela, para medo, vieram os dois soldados. Tudo o que não valeu de nada. Nosso pai passava ao largo, avistado ou diluso, cruzando na canoa, sem deixar ninguém se chegar à pega ou à fala. Mesmo quando foi, não faz muito, dos homens do jornal, que trouxeram a lancha e tencionavam tirar retrato dele, não venceram: nosso pai se desaparecia para a outra banda, aproava a canoa no brejão, de léguas, que há, por entre juncos e mato, e só ele conhecesse, a palmos, a escuridão, daquele.

A gente teve de se acostumar com aquilo. Às penas, que, com aquilo, a gente mesmo nunca se acostumou, em si, na verdade. Tiro por mim, que, no que queria, e no que não queria, só com nosso pai me achava: assunto que jogava para trás meus pensamentos. O severo que era, de não se entender, de maneira nenhuma, como ele agüentava. De dia e de noite, com sol ou aguaceiros, calor, sereno, e nas friagens terríveis de meio-do-ano, sem arrumo, só com o chapéu velho na cabeça, por todas as semanas, e meses, e os anos — sem fazer conta do se-ir do viver. Não pojava em nenhuma das duas beiras, nem nas ilhas e croas do rio, não pisou mais em chão nem capim. Por certo, ao menos, que, para dormir seu tanto, ele fizesse amarração da canoa, em alguma ponta-de-ilha, no esconso. Mas não armava um foguinho em praia, nem dispunha de sua luz feita, nunca mais riscou um fósforo. O que consumia de comer, era só um quase; mesmo do que a gente depositava, no entre as raízes da gameleira, ou na lapinha de pedra do barranco, ele recolhia pouco, nem o bastável. Não adoecia? E a constante força dos braços, para ter tento na canoa, resistido, mesmo na demasia das enchentes, no subimento, aí quando no lanço da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso, aqueles corpos de bichos mortos e paus-de-árvore descendo — de espanto de esbarro. E nunca falou mais palavra, com pessoa alguma. Nós, também, não falávamos mais nele. Só se pensava. Não, de nosso pai não se podia ter esquecimento; e, se, por um pouco, a gente fazia que esquecia, era só para se despertar de novo, de repente, com a memória, no passo de outros sobressaltos.

Minha irmã se casou; nossa mãe não quis festa. A gente imaginava nele, quando se comia uma comida mais gostosa; assim como, no gasalhado da noite, no desamparo dessas noites de muita chuva, fria, forte, nosso pai só com a mão e uma cabaça para ir esvaziando a canoa da água do temporal. Às vezes, algum conhecido nosso achava que eu ia ficando mais parecido com nosso pai. Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo, barbudo, de unhas grandes, mal e magro, ficado preto de sol e dos pêlos, com o aspecto de bicho, conforme quase nu, mesmo dispondo das peças de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia.

Nem queria saber de nós; não tinha afeto? Mas, por afeto mesmo, de respeito, sempre que às vezes me louvavam, por causa de algum meu bom procedimento, eu falava: — "Foi pai que um dia me ensinou a fazer assim..."; o que não era o certo, exato; mas, que era mentira por verdade. Sendo que, se ele não se lembrava mais, nem queria saber da gente, por que, então, não subia ou descia o rio, para outras paragens, longe, no não-encontrável? Só ele soubesse. Mas minha irmã teve menino, ela mesma entestou que queria mostrar para ele o neto. Viemos, todos, no barranco, foi num dia bonito, minha irmã de vestido branco, que tinha sido o do casamento, ela erguia nos braços a criancinha, o marido dela segurou, para defender os dois, o guarda-sol. A gente chamou, esperou. Nosso pai não apareceu. Minha irmã chorou, nós todos aí choramos, abraçados.

Minha irmã se mudou, com o marido, para longe daqui. Meu irmão resolveu e se foi, para uma cidade. Os tempos mudavam, no devagar depressa dos tempos. Nossa mãe terminou indo também, de uma vez, residir com minha irmã, ela estava envelhecida. Eu fiquei aqui, de resto. Eu nunca podia querer me casar. Eu permaneci, com as bagagens da vida. Nosso pai carecia de mim, eu sei — na vagação, no rio no ermo — sem dar razão de seu feito. Seja que, quando eu quis mesmo saber, e firme indaguei, me diz-que-disseram: que constava que nosso pai, alguma vez, tivesse revelado a explicação, ao homem que para ele aprontara a canoa. Mas, agora, esse homem já tinha morrido, ninguém soubesse, fizesse recordação, de nada mais. Só as falsas conversas, sem senso, como por ocasião, no começo, na vinda das primeiras cheias do rio, com chuvas que não estiavam, todos temeram o fim-do-mundo, diziam: que nosso pai fosse o avisado que nem Noé, que, por tanto, a canoa ele tinha antecipado; pois agora me entrelembro. Meu pai, eu não podia malsinar. E apontavam já em mim uns primeiros cabelos brancos.

Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio — pondo perpétuo. Eu sofria já o começo de velhice — esta vida era só o demoramento. Eu mesmo tinha achaques, ânsias, cá de baixo, cansaços, perrenguice de reumatismo. E ele? Por quê? Devia de padecer demais. De tão idoso, não ia, mais dia menos dia, fraquejar do vigor, deixar que a canoa emborcasse, ou que bubuiasse sem pulso, na levada do rio, para se despenhar horas abaixo, em tororoma e no tombo da cachoeira, brava, com o fervimento e morte. Apertava o coração. Ele estava lá, sem a minha tranqüilidade. Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro. Soubesse — se as coisas fossem outras. E fui tomando idéia.

Sem fazer véspera. Sou doido? Não. Na nossa casa, a palavra doido não se falava, nunca mais se falou, os anos todos, não se condenava ninguém de doido. Ninguém é doido. Ou, então, todos. Só fiz, que fui lá. Com um lenço, para o aceno ser mais. Eu estava muito no meu sentido. Esperei. Ao por fim, ele apareceu, aí e lá, o vulto. Estava ali, sentado à popa. Estava ali, de grito. Chamei, umas quantas vezes. E falei, o que me urgia, jurado e declarado, tive que reforçar a voz: — "Pai, o senhor está velho, já fez o seu tanto... Agora, o senhor vem, não carece mais... O senhor vem, e eu, agora mesmo, quando que seja, a ambas vontades, eu tomo o seu lugar, do senhor, na canoa!..." E, assim dizendo, meu coração bateu no compasso do mais certo.

Ele me escutou. Ficou em pé. Manejou remo n'água, proava para cá, concordado. E eu tremi, profundo, de repente: porque, antes, ele tinha levantado o braço e feito um saudar de gesto — o primeiro, depois de tamanhos anos decorridos! E eu não podia... Por pavor, arrepiados os cabelos, corri, fugi, me tirei de lá, num procedimento desatinado. Porquanto que ele me pareceu vir: da parte de além. E estou pedindo, pedindo, pedindo um perdão.

Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio.

João Guimarães Rosa
Primeiras Estórias
Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteirak, 1988




quarta-feira, 27 de março de 2013

Carlos Drummond de Andrade / Um chamado João



Carlos Drummond de Andrade
Um chamado João

João era fabulista?
fabuloso?
fábula?
Sertão místico disparando
no exílio da linguagem comum?
Projetava na gravatinha
a quinta face das coisas,
inenarrável narrada?
Um estranho chamado João
para disfarçar, para farçar
o que não ousamos compreender?
Tinha pastos, buritis plantados
no apartamento?
no peito?
Vegetal ele era ou passarinho
sob a robusta ossatura com pinta
de boi risonho?


Era um teatro
e todos os artistas
no mesmo papel,
ciranda multívoca?
João era tudo?
tudo escondido, florindo
como flor é flor, mesmo não semeada?
Mapa com acidentes
deslizando para fora, falando?
Guardava rios no bolso,
cada qual com a cor de suas águas?
sem misturar, sem conflitar?
E de cada gota redigia nome,
curva, fim,
e no destinado geral
seu fado era saber
para contar sem desnudar
o que não deve ser desnudado
e por isso se veste de véus novos?


Mágico sem apetrechos,
civilmente mágico, apelador
e precipites prodígios acudindo
a chamado geral?
Embaixador do reino
que há por trás dos reinos,
dos poderes, das
supostas fórmulas
de abracadabra, sésamo?
Reino cercado
não de muros, chaves, códigos,
mas o reino-reino?
Por que João sorria
se lhe perguntavam
que mistério é esse?


E propondo desenhos figurava
menos a resposta que
outra questão ao perguntante?
Tinha parte com... (não sei
o nome) ou ele mesmo era
a parte de gente
servindo de ponte
entre o sub e o sobre
que se arcabuzeiam
de antes do princípio,
que se entrelaçam
para melhor guerra,
para maior festa?


Ficamos sem saber o que era João
e se João existiu
de se pegar.







segunda-feira, 25 de março de 2013

Sagaki Keita / Imagens com doodles




Sagaki Keita
IMAGENS COM DOOLES

Sabe aqueles desenhos que fazemos quando estamos ao telefone, ou quando estamos distraídos pensando na vida? Aqueles que, por aqui, chamamos rabiscos? Pois é, a partir desse tipo de desenhos [vários deles], conhecidos como “doodles”, Sagaki Keita constrói, à caneta, instigantes e complexas imagens. 

40,41-74,2 – Estátua da Liberdade (lápis/2012-detalhe)
Sagaki Keita nasceu em Ishikawa, em 1984, e se graduou em 2008 pela Faculdade de Educação da Universidade de Fukushima.

A formação do todo em múltiplas partes é um dos conceitos que impulsiona as criações de Keita. E o artista vai além, acredita que ao desviarmos o olhar do todo e o percebermos como uma composição de múltiplas partes, conseguimos eliminar fronteiras e criar movimento, como o de uma onda.

As primeiras obras divulgadas pelo artista em seu site datam de 2004 e ainda não traziam inteiramente as características que, mais tarde, marcariam suas criações. Em 2005 seu trabalho se aproxima mais de suas futuras obras e nos anos seguintes, até 2010, o aperfeiçoamento de sua técnica o leva a seu atual estágio.

40,41-74,2 – Estátua da Liberdade (lápis/2012)
 Londres (caneta em kentboard/2012)
 Londres (caneta em kentboard/2012-detalhe)
 Moscou (caneta em kentboard/2012) 
 Moscou (caneta em kentboard/2012-detalhe) 
Paris (caneta em kentboard/2012)
Paris (caneta em kentboard/2012-detalhe)
 Trinta e seis vistas do Monte Fuji: duche abaixo do cume (caneta/2012)
 Trinta e seis vistas do Monte Fuji: duche abaixo do cume (caneta/2012-detalhe)
 Molière. Eu quero ir para Bidai! (caneta e carvão vegetal/2011)
 Hermes. Eu quero ir para Bidai! (caneta e carvão vegetal/2011) 
A última ceia (caneta e tinta de resina em algodão/2010) 
A última ceia (caneta e tinta de resina em algodão/2010-detalhe)
 
A última ceia (caneta e tinta de resina em algodão/2010-detalhe) 
A última ceia (caneta e tinta de resina em algodão/2010-detalhe) 
Mona Lisa (caneta e tinta/2008) 
Mona Lisa (caneta e tinta/2008-detalhe) 
Menino e menina (caneta em kentpaper/2008)
No jardim (caneta sobre o algodão/2007) 
 Espiral (caneta e tinta/2005)
Traço Nirvanation – para o exterior (acrílica sobre placa/2004)
Connection Mandara (acrilica sobre placa/2004)


http://mol-tagge.blogspot.com






domingo, 24 de março de 2013

Brasil anuncia escritores da Feira de Frankfurt

Marina Colasanti
Bogotá, 2013
Foto de Triunfo Arciniegas

BRASIL ANUNCIA
ESCRITORES DA FEIRA DE FRANKFURT

Foi anunciada nesta quinta-feira, na Feira de Leipzig, na Alemanha, a lista de 70 escritores brasileiros que participarão este ano da Feira de Frankfurt, a mais importante feira de livros do mundo, que será realizada entre 9 e 13 de outubro. Como país convidado de 2013, o Brasil terá uma programação especial dedicada à literatura brasileira e levará à cidade alemã escritores de gêneros e estéticas diversas, como Carlos Heitor Cony, Ana Maria Machado, Bernardo Carvalho, Cristovão Tezza, Sérgio Sant’Anna, André Sant'Anna (foto), Andrea del Fuego (foto), Veronica Stigger, Daniel Galera (foto abaixo), Nuno Ramos, Paulo Henriques Britto, e Paulo Coelho.

Em entrevista coletiva, Galeno Amorim  – presidente da Fundação Bliblioteca Nacional e do comitê organizador do projeto Brasil Convidado de Honra da Feira do Livro de Frankfurt 2013 – e o jornalista Manuel da Costa Pinto, um dos curadores da seleção de autores, afirmaram que a lista busca mostrar a diversidade da produção literária brasileira, com uma variedade de linguagens e regiões do país representadas. Além de Manuel da Costa Pinto, a seleção foi feita por Antonieta Cunha, diretora de Livro, Leitura e Literatura da Fundação Biblioteca Nacional, e Antonio Martinelli, coordenador de programação do Sesc SP.  

 A lista dos 70 autores brasileiros 
que participarão da Feira de Frankfurt 2013

Adélia Prado (MG)
Adriana Lisboa (RJ)
Affonso Romano de Sant'Anna (MG)
Age de Carvalho (PA)
Alice Ruiz (PR)
Ana Maria Machado (RJ)
Ana Miranda (CE)
André Sant’Anna (MG)
Andrea del Fuego (SP)
Angela-Lago (MG)
Antonio Carlos Viana (SE)
Beatriz Bracher (SP)
Bernardo Ajzenberg (SP)
Bernardo Carvalho (RJ)
Carlos Heitor Cony (RJ)
Carola Saavedra (RJ)
Chacal (RJ)
Cíntia Moscovich (RS)
Cristovão Tezza (SC)
Daniel Galera (RS)
Daniel Munduruku (PA)
Eva Furnari (SP)
Fábio Moon e Gabriel Bá (SP)
Fernando Gonsales (SP)
Fernando Morais (MG)

Fernando Vilela (SP)
Ferréz (SP)
Flora Süssekind (RJ)
Francisco Alvim (MG)
Ignácio de Loyola Brandão (SP)
João Almino (RN)
João Gilberto Noll (RS)
João Ubaldo Ribeiro (BA)
Joca Reiners Terron (MT)
José Miguel Wisnik (SP)
José Murilo de Carvalho (MG)
Lelis (MG)
Lilia Moritz Schwarcz (SP)
Lourenço Mutarelli (SP)
Luiz Costa Lima (MA)
Luiz Ruffato (MG)
Manuela Carneiro da Cunha (Portugal - SP)
Marçal Aquino (SP)
Marcelino Freire (PE)
Maria Esther Maciel (MG)
Maria Rita Kehl (SP)
Marina Colasanti (RJ)
Mary del Priori (RJ)
Mauricio de Sousa (SP)
Michel Laub (RS)
Miguel Nicolelis (SP)
Nélida Piñón (RJ)
Nicolas Behr (MT)
Nuno Ramos (SP)
Patricia Melo (SP)
Paulo Coelho (RJ)
Paulo Henriques Britto (RJ)
Paulo Lins (RJ)
Pedro Bandeira (SP)
Roger Mello (DF)
Ronaldo Correia de Brito (CE)
Ruth Rocha (SP)
Ruy Castro (MG)
Sérgio Sant’Anna (RJ)
Silviano Santiago (MG)
Teixeira Coelho (SP)
Veronica Stigger (RS)
Walnice Nogueira Galvão (SP)
Ziraldo (MG)


http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/




sábado, 23 de março de 2013

Morre Chinua Achebe / Pai da literatura moderna africana



Morre, aos 82 anos, 

Chinua Achebe, 

pai da literatura 

moderna africana

  • Obra de nigeriano chegou a confortar Nelson Mandela na prisão
  • Escritor era professor universitário há anos nos Estados Unidos

O Globo, 22 / 03 / 2013




Chinua Achebe, escritor nigeriano, em 2008, comentando seu trabalho em universidade de Nova York, Bard College, onde foi professor Craig Ruttle / AP
LAGOS - O escritor e poeta nigeriano Chinua Achebe, conhecido como o pai da literatura moderna africana, morreu aos 82 anos, noticiou a editora britânica Penguin Books, nesta sexta-feira, sem dar maiores detalhes. Uma porta-voz da Penguin disse que a família de Achebe enviará um comunicado em breve. O romancista venceu, em 2007, o prêmio Man Booker International.
Achebe conquistou reconhecimento há mais de 50 anos com o romance “Things fall apart”, obra publicada em 2009 no Brasil pela Companhia das Letras como “O mundo se despedaça”. O livro retrata a batalha fatal de seu grupo étnico igbo contra o colonialismo britânico, em 1800. Foi a primeira vez que a história do imperialismo europeu foi contada sob perspectiva africana alcançando a audiência internacional.
O foco desse trabalho está nas convulsões sociais causadas por esse exercício de poder estrangeiro sobre o seu continente. “O mundo se despedaça” foi traduzido para 50 línguas e vendeu mais de 10 milhões de cópias em todo o mundo.
Mais tarde, Chinua Achebe voltou seus olhos para a devastação causada à Nigéria e à África por uma série de golpes militares que ocasionou regimes ditatoriais.
“Anthills of the Savannah” (“Formigueiros da Savannah”) — lançado em 1987, mas não chegou ao Brasil em língua portuguesa — se define dois anos após um golpe militar em um país imaginário da África onde o poder foi corrompido e a brutalidade do estado silenciou todos, excetos os mais corajosos.
Em 1983, Achebe publicou “The trouble with Nigeria” (“O problema com a Nigéria”), que expõe um quadro sombrio de seu país natal, como também expressa a esperança de a corrupção endêmica chegar ao fim se pudesse se tornar pouco rentável para as elites.
Como escritor, crítico e professor universitário, Chinua Achebe serviu como ponte entre a África e o Ocidente. Foi considerado como uma referência contra o que as gerações de escritores africanos representavam até então.
Nelson Mandela leu sua obra na prisão e, uma vez, se referiu a Achebe como um escritor "cuja companhia derrubava os muros da cadeia". Outra personalidade sul-africana, a romancista vencedora do Nobel Nadine Gordimer escreveu no “The New York Times”, em 1998, que Achebe podia ser visto como “um escritor que não tem ilusões, mas não é um desiludido”.
“Gostaríamos de oferecer nossas condolências à família do professor Chinua Achebe, um grande escritor e pensador africano”, afirmou Sello Hatang, assessor do Centro de Memória Nelson Mandela.
Um acidente de carro colocou Achebe em uma cadeira de rodas em 1990. Depois desse acontecimento, ele ficou sem escrever livros por mais de 20 anos. Passou a maior parte de seus últimos anos nos Estados Unidos, onde lecionava em universidades.
No Brasil, a Companhia das Letras publicou, além de “O mundo se despedaça” três obras traduzidas de Chinua Achebe. São elas: “A flecha de Deus” (2011), “A educação de uma criança sob o protetorado britânico” (2012) e “A paz dura pouco” (2013).

O GLOBO